As fronteiras da Arte Contemporânea

Carolina Herszenhut
6 min readJun 13, 2023

é possível borrar o encontro com a arte urbana?

O que define a arte contemporânea? Em definição Arte Contemporânea é uma tendência artística que nasceu na segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial. Também conhecida como Arte Pós-Moderna, essa tendência teve início, sobretudo, com o advento da Pop Art e do minimalismo.

Nessa mesma “contemporaneidade” existe uma corrente artística, a Arte Urbana, que se no inicia no Brasil na década de 70, mais precisamente na cidade de São Paulo, e passa a dialogar diretamente com as pessoas que passam nas ruas e são impactadas diariamente por esses trabalhos sem precisar recorrer aos espaços “consagrados da arte como museus e galerias”.

Obra Magmagrela

Porém por ser um trabalho que acontece livre das aceitações do mercado ele segue até hoje a margem da “arte contemporânea” e do que podemos chamar “sistema da arte”.

Segundo Pierre Bourdieu, o “campo da arte” pode ser definido como um “sistema” ou “espaço” estruturado de posições, que possui regras instituídas que regem o acesso e o êxito no campo e que determinam a posição ocupada por seus agentes, que lutam pela apropriação do “capital cultural”.

O mercado da arte (Ver Sarah Thorton — Sete dias no mundo da Arte e Raghuram Rajan — O Tubarão de 12 milhões de dólares) é bastante complexo, inclui diferentes agentes e instituições, e pode ser entendido de forma bastante organizada a fim de atender constantemente os interesses do mercado, Thorton em seu livro “Sete Dias no Mundo da Arte) desecreve 7 macro agentes definidores e podemos perceber que o artista é o de menor valor.

Nele percebemos que são os galeristas, curadores, feiras, museus, leiloeiros, escolas de arte que vão definir quem é um artista contemporâneo e quem não pode adentrar esse mundo mágico e inacessível.

No meu trabalho na Aborda, única plataforma Brasileira que gerencia carreiras de artistas visuais, em sua maioria artistas urbanos, temos constantemente trocas a fim de entender quais os motivos que levam a arte urbana não ser considerada uma “arte contemporânea”: como uma manifestação artística que esta presente na contemporaneidade e que esta presente na rua e que pode ser considerado o maior e mais democrático museu do mundo não faz parte desse recorte?

Em nosso podcast “abordaria”, gravado em maio de 2023, com os curadores, Paula Borghi e Icaro Ferraz Vidal Junior, debatemos essa questão e uma das falas do Ícaro me fez pensar em algo que eu pudesse começar a entender um dos motivos.

Faz parte desse mercado da arte, o tão importante “cubo branco”, e a partir de um texto do Ícaro e também do conceito de exclusividade que tanto permeia arte pude entender que aquilo que para artistas urbanos é tão importante que é a democratização de seus trabalhos e a proximidade com a sociedade, é a ideia oposta que vai fazer surgir o cubo branco e então afastar completamente a arte contemporanea da arte pública.

cubo branco

De acordo com o texto “Corpo, percepção e valor no pensamento curatorial contemporâneo” publicado na Revista Novos Olhares, por Vidal Junior:

Os ensaios que compõem o volume Inside the white cube: the ideology of the gallery space, de Brian O’Doherty (2012), tornaram-se referências fundamentais na literatura contemporânea sobre artes visuais…

Os ensaios de O’Doherty debruçam-se sobre uma configuração espacial específica, que se tornou hegemônica nas exposições de arte moderna e contemporânea e dá título ao seu livro: o cubo branco. A galeria de arte tem seu espaço descrito pelo autor nos seguintes termos:

“Uma galeria é construída baseada em leis rigorosas, como aquelas que orientavam a edificação de uma igreja medieval. Porque o mundo externo deve permanecer fora, em geral as janelas são seladas; as paredes são pintadas de branco; o teto torna-se fonte de luz. O piso de madeira é tão polido que percebe-se distintamente os rumores dos passos, ou é coberto por um tapete que amortece aquele som, permitindo pousar os pés enquanto os olhos tomam de assalto a parede.”(O’DOHERTY)

Ao pensarmos na cronologia que marca o desenvolvimento do cubo branco como forma hegemônica de expor e de ver obras de arte, podemos observar que ela é em larga medida contemporânea do processo de desenvolvimento urbano que culmina nas grandes cidades modernas. No que concerne às imagens, o desenvolvimento urbano e comercial, contemporâneo do desenvolvimento de tecnologias de produção e reprodução de imagens e do campo da publicidade, que então se profissionalizava, culmina na configuração de novos ambientes visuais, como o que podemos observar em grandes avenidas comerciais — dentre as quais, a Times Square em Nova York segue sendo paradigmática (Figura abaixo) — que se assemelham enormemente, com sua profusão de anúncios publicitários, aos já referidos salões de arte, que vigoraram como modelo de exposição de arte até o início do século XX.

Times Square, Nova York, 1909 Fonte: Charney e Schwartz

Uma questão que nos parece fundamental, portanto, emerge da complexidade do ecossistema mediático moderno, no qual a imagem reprodutível espraia-se sobre as urbes como uma segunda pele. Neste contexto, um ponto importante parece ter sido negligenciado por grande parte dos estudos que investiram no campo das exposições artísticas, isolando a imagem da arte das demais imagens do mundo: a descontextualização das obras de arte de seu entorno sociocultural e a sublimação da corporalidade talvez sejam efeitos colaterais do cubo branco, e não seus objetivos primordiais. O desenvolvimento do cubo branco parece comprometido com um desejo de chancelar, em meio à profusão das imagens mediáticas, algumas imagens como sendo dignas de uma percepção de tipo bem específico, protegendo as imagens artísticas dos famintos ambientes mediáticos.

Ao ler essa última frase do artigo do Icaro, me vem em partes a resposta que muitos artistas urbanos buscam: é no desejo de distinção e de segregação que arte perpetua que está a impossibilidade de borrar essas barreiras entre a arte contemporanea e a arte pública, pois ao propor o encontro imediato e sem distinção com as pessoas a arte publica fica imediatamente barrada de entrar no que ouso dizer ser a mais importante espaço da arte contemporanea que é o Cubo Branco, pois a ela pertence a rua, aquele espaço que o cubo branco busca se distanciar.

Agora fica a pergunta, porque artistas urbanos que buscaram na rua um espaço e uma possibilidade de ter seus trabalhos expostos e “consumidos” querem tanto estar nessa “instituição” que por principio em nada dialoga com seus trabalhos?

Icaro Ferraz Vidal Junior é Bolsista de pós-doutorado PNPD-Capes no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Doutor em História, História da Arte e Arqueologia pelas Université de Perpignan Via Domitia e Università degli studi di Bergamo e em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: vidal.icaro@gmail.com

Carolina Herszenhut é agente e ativista cultural, especializada na identificação de novas cenas e artistas, criando uma carreira sustentável para eles. Com MBA em Gestão Cultural pela Associação Brasileira de Gestão Cultural e Gestão e Criação Contemporânea na Casa Encendida em Madrid.

É idealizadora da Aborda, uma plataforma de experiências que conecta marcas e pessoas através da arte, cultura e causas. Somos a única plataforma de gestão de carreiras de artistas visuais no Brasil com 12 artistas no nosso portfólio de diferentes locais do país, valorizamos o mercado da arte visual no brasil e está atenta e ativa nas transformações desse segmento.

Há 10 anos a Aborda desenvolve, idealiza e faz a curadoria de projetos culturais em todo país com marcas e instituições. Dentre outros projetos executados, está O Cluster, primeira e maior plataforma de economia criativa do Rio de Janeiro criada em 2012. Realizou mais de 25 eventos com mais de 100.000 pessoas nas cidades do Rio, Belo Horizonte e Recife.

Um dos principais nomes da cena de arte pública no Brasil, Carolina é Diretora Comercial do CURA, um dos maiores festivais de arte pública em Belo Horizonte e também do Inarte, uma residência artística no Rio Grande do Norte onde fazemos um mapeamento sensível através da arte e educação patrimonial.

Lançou em 2016 o livro: “Guia O Cluster Cem Criativos Cariocas”, um título inédito, por se tratar do único guia da cidade do Rio de Janeiro que revela novos nomes da economia criativa.

Em 2017 foi selecionada entre mais de 400 mulheres no Brasil todo para ser uma das 30 mulheres do prêmio Itaú Mulher Empreendedora em parceria com a FGV/SP, em 2019 participou do programa She 2B do Weconnect com a Proctor & Gamble que visa ampliar o número de empresas lideradas por mulheres a trabalharem junto a Multinacionais.

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Carolina Herszenhut

Agente cultural e ativista, idealizadora da Aborda uma plataforma de gestão de carreiras de artistas visuais.